Por que o abandono dói tanto?

Do ponto de vista psicanalítico, a dor do abandono toca uma ferida originária: a do desamparo. Freud já nos lembrava que o ser humano nasce absolutamente dependente — o bebê precisa do outro não apenas para sobreviver, mas para existir simbolicamente. É no cuidado, no olhar e na presença do outro que o eu se constitui. Por isso, cada experiência de perda reativa algo muito mais antigo: o medo de deixar de ser amado, de desaparecer do campo do desejo do outro.

O abandono fere o eu porque o confronta com sua falta de controle sobre o amor e o desejo. Ele desmascara a ilusão narcísica de que é possível ser indispensável, de que se pode garantir o lugar no coração do outro. Quando o outro vai embora, o sujeito se depara com o vazio de não saber quem é sem esse olhar que o sustentava.

No nível inconsciente, o abandono mobiliza a angústia de separação — o trauma primário de perceber que o amor do outro nunca é totalmente seguro. É essa ferida que muitas vezes se repete nos relacionamentos: a tentativa de garantir presença, de evitar a ausência, de controlar o incontrolável.

Mas, na clínica, é justamente quando a dor do abandono é acolhida que algo novo pode surgir. Ao reconhecer que o outro não é posse, que o amor não é contrato, o sujeito começa a se sustentar de outro modo — não mais pelo olhar que o garante, mas por uma presença interna que pode suportar a falta.

O abandono dói tanto porque toca o ponto em que o amor e a perda se confundem. Mas é também nesse ponto que o sujeito pode encontrar a possibilidade de amar sem se perder — e de estar só, sem se sentir vazio.

 

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