Mais de um século se passou desde que Freud inaugurou a psicanálise, mas suas formulações continuam pulsando — não como verdades fixas, e sim como chaves de leitura que se atualizam a cada época. O inconsciente, o desejo, a pulsão, o recalque — conceitos que nasceram em um contexto vitoriano — agora se desdobram em um cenário digital, hiperconectado e marcado pela aceleração.
O inconsciente, por exemplo, pode ser pensado hoje como atravessado por novas formas de discurso: algoritmos, redes sociais, linguagem da imagem. O sujeito moderno já não se estrutura apenas em torno da repressão sexual, mas também de imperativos de performance, visibilidade e felicidade constante. O supereu contemporâneo não diz mais “não gozarás”, e sim “deves gozar sempre”.
As pulsões, antes compreendidas a partir do corpo biológico, hoje se manifestam em territórios virtuais — likes, curtidas, exposições de intimidade. O narcisismo ganha novas roupagens na lógica das telas, onde o eu busca confirmação incessante do olhar do Outro digital.
O mal-estar na civilização, que Freud via como efeito das restrições da cultura sobre o desejo, parece ter se deslocado: agora, o excesso é o novo recalque. Sofre-se não pela falta de liberdade, mas pela obrigação de mostrar-se livre, produtivo, desejável.
Revisitar Freud, portanto, não é atualizar sua teoria com modismos, mas retomar seu espírito investigativo: a escuta do inconsciente como algo vivo, em transformação. A psicanálise do século XXI segue interrogando o mesmo enigma — o do sujeito dividido entre o desejo e a cultura — mas diante de novos sintomas, novos modos de mal-estar e novas formas de gozo.
O inconsciente, afinal, não envelhece. Ele apenas encontra novas linguagens para dizer o mesmo: que há sempre algo em nós que escapa, que insiste, e que nos faz desejar.
Associados I.C.P.B.