O ciúme, do ponto de vista psicanalítico, é muito mais do que medo de perder alguém. Ele nasce de um terreno mais profundo: o do desejo, da falta e da rivalidade primitiva. Freud já apontava que o ciúme tem suas raízes nas primeiras experiências afetivas da infância — quando o amor do Outro (geralmente, a mãe) não é exclusivo, e o sujeito se vê diante da impossibilidade de ser o único objeto de desejo.
Esse primeiro desamparo inaugura uma ferida narcísica: o reconhecimento de que o amor é dividido, que o Outro deseja algo para além de nós. O ciúme é, então, a tentativa de recusar essa falta — de negar a alteridade do Outro e de restituir a ilusão de completude.
Mas o que se sente como ameaça externa (“o outro pode me tirar o que é meu”) revela, na verdade, um conflito interno: a luta entre o desejo de ser o preferido e o medo de não ser suficiente. Por isso, o ciúme fala menos sobre quem se deseja e mais sobre a fragilidade do próprio eu.
Lacan diria que o ciúme é uma cena imaginária: o sujeito se coloca como espectador do desejo do outro, preso à comparação e à rivalidade. O olhar ciumento quer decifrar o enigma do desejo alheio, mas acaba se perdendo nele.
Na análise, o trabalho não é eliminar o ciúme, mas escutar o que ele denuncia — o lugar onde o sujeito ainda depende do olhar do outro para existir. Quando esse olhar deixa de ser prisão e se torna espelho simbólico, o ciúme perde sua força, e o desejo pode circular de forma mais livre.
Associados I.C.P.B.