Amizade e amor: uma diferença psicanalítica

Estava conversando com uma paciente outro dia sobre essa questão de amizade e amor... Na vida afetiva, amizade e amor parecem muitas vezes se confundir. Ambos envolvem laço, desejo de proximidade, partilha de experiências e confiança. Mas, do ponto de vista psicanalítico, há diferenças fundamentais entre essas formas de vínculo, diferenças que dizem respeito à maneira como o sujeito se coloca diante do desejo e da falta.

A amizade, em geral, é marcada por uma relação de reconhecimento e alteridade mais estável. O amigo é aquele que acolhe, escuta, acompanha — sem exigir necessariamente exclusividade ou fusão. A amizade sustenta-se em uma ética da presença: estar com o outro não para completá-lo, mas para partilhar com ele o caminho, respeitando a diferença.

O amor, por sua vez, implica atravessamento mais radical. Freud dizia que amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer. Ou seja, o amor confronta o sujeito com sua falta, com o desejo impossível de completude. No amor, o outro não é apenas companheiro: ele é elevado à posição de ideal, depositário de um pedaço do eu, lugar onde se projeta a fantasia de ser inteiro. Por isso, o amor traz consigo riscos — de dependência, de ciúme, de dor — e, ao mesmo tempo, a potência de transformação subjetiva.

Lacan diferenciava: no amor, o sujeito busca o ser do outro, enquanto na amizade prevalece a aceitação do que o outro é. A amizade suporta melhor o limite, o não-todo, a incompletude. Já o amor, mesmo quando maduro, conserva sempre algo do impossível: a promessa de encontro com o que falta.

Assim, se a amizade oferece ao sujeito a tranquilidade de um laço que sustenta, o amor o lança na vertigem do desejo, na experiência de se perder e se reencontrar. Ambos são fundamentais, mas em registros distintos. A amizade organiza, o amor desorganiza; a amizade consola, o amor inquieta; a amizade reconhece, o amor reinventa.

Na clínica, pensar esses dois registros ajuda a compreender como cada sujeito se relaciona com a alteridade: se busca no outro apoio, espelho, ou a promessa de completude. E talvez o desafio esteja em poder transitar entre amizade e amor sem negar nem a falta, nem o encontro.

 

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