O pesadelo é frequentemente vivido como intruso, algo a ser evitado. No entanto, sob a ótica psicanalítica, ele não é apenas um distúrbio do sono: é um trabalho psíquico em ato. Freud já nos mostrava que o sonho é a realização de um desejo inconsciente. No caso do pesadelo, esse desejo não é simples ou prazeroso — ele está ligado a conteúdos reprimidos que emergem de forma angustiante, rompendo a censura onírica.
O pesadelo, portanto, cumpre uma função paradoxal: ao mesmo tempo em que ameaça o sono, tenta proteger o sujeito de uma angústia ainda maior. Ele coloca em cena, de forma distorcida, algo que o psiquismo não consegue elaborar plenamente no estado de vigília. É como se o inconsciente dissesse: “você precisa olhar para isso”, mas em uma linguagem de imagens intensas, quase insuportáveis.
Freud observou que, em situações traumáticas, os pesadelos podem se repetir compulsivamente. Nesses casos, não se trata de realização de desejo, mas da tentativa de dominar, por repetição, um excesso de excitação psíquica que não pôde ser simbolizado no momento do trauma. Lacan, por sua vez, nos lembraria que, quando o sonho se aproxima demais do real — aquilo que não pode ser representado —, o sujeito acorda. O despertar funciona, então, como defesa contra o encontro direto com o núcleo mais cru e impossível de ser absorvido.
Assim, o pesadelo não é apenas sintoma, mas mensagem. Ele aponta para pontos de conflito, traços de experiências traumáticas, desejos inconfessáveis ou medos primitivos. Sua função psíquica é tentar elaborar, em fragmentos e imagens, aquilo que a consciência ainda não suporta por inteiro.
Na clínica, escutar um pesadelo é escutar o inconsciente trabalhando sob tensão máxima. Não se trata de decifrar “o que significa” de forma literal, mas de abrir espaço para que a narrativa onírica possa ser associada, ressignificada e, quem sabe, perder parte de sua carga de terror. Afinal, até mesmo o pior sonho é, de algum modo, um esforço do psiquismo para não sucumbir ao peso do que não foi simbolizado.
Associados I.C.P.B.