Solidão, memória e tempo: o que aparece no final da vida

No final da vida, o tempo se contrai. O horizonte futuro já não se estende indefinidamente, e o sujeito, muitas vezes, volta-se para trás: revê lembranças, revisita histórias, retoma perguntas que ficaram sem resposta. A psicanálise nos oferece uma escuta sensível para esse momento de intensa reconfiguração subjetiva — onde a solidão, a memória e o tempo se entrelaçam de forma única.

Na velhice, a presença da finitude torna-se concreta. E, com ela, surgem elaborações psíquicas profundas: balanços de vida, lutos antigos que retornam, desejos que não se realizaram, amores perdidos, culpas que persistem. O tempo psíquico, diferente do cronológico, se desorganiza — o passado irrompe no presente, e o sujeito se vê habitado por fantasmas e marcas que, muitas vezes, haviam sido recalcadas.

A solidão que aparece nesse ponto da vida não é apenas social — embora o afastamento dos vínculos, a morte de pessoas próximas e a invisibilidade social da velhice sejam reais. Há também uma solidão estrutural, aquela de sempre ter sido — como diz Freud — um sujeito sozinho com sua própria morte. No fim da vida, essa solidão fundamental pode se intensificar: não há mais distrações que encubram a falta. O real da morte se aproxima, e com ele, também, a verdade de um sujeito que olha para si mesmo com menos ilusões.

Nesse momento, a memória adquire uma função psíquica potente: não como reconstituição exata do passado, mas como campo de elaboração. A lembrança — mesmo fragmentada, distorcida ou imaginária — é um modo de fazer laço com a própria história. É o sujeito tentando costurar um sentido para sua trajetória, nomear o que foi vivido, perdoar a si mesmo ou aos outros, simbolizar a perda.

A psicanálise não promete consolo, mas oferece presença. A escuta clínica, diante de alguém no fim da vida, não precisa interpretar — basta acolher. Porque às vezes, o que o sujeito deseja, ao fim, é simplesmente poder existir com sua dor, sua história e seu silêncio. Ser visto não como um corpo que envelhece, mas como alguém que ainda deseja ser escutado.

No crepúsculo da vida, o tempo pode ser breve, mas a palavra ainda pulsa. E é nessa palavra que o sujeito, mesmo diante da morte, pode reencontrar algo de si.

 

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