O impacto psíquico de guerras, pandemias e catástrofes: quando o real invade o sujeito

Guerras, pandemias e catástrofes naturais confrontam o ser humano com o impensável. Em poucos instantes, ruem as garantias simbólicas que sustentam a vida cotidiana: a sensação de controle, a previsibilidade, a crença na continuidade. O que irrompe nesses momentos é o real, na acepção lacaniana do termo — aquilo que escapa à simbolização, que não pode ser totalmente elaborado pela linguagem.

Do ponto de vista psicanalítico, o sujeito se constitui sustentado por um enquadre simbólico: nome, laço social, rotina, promessa de futuro. Quando eventos traumáticos coletivos rasgam esse tecido simbólico, o que se instala é o desamparo (Hilflosigkeit) — conceito freudiano que remonta à condição primordial do bebê humano diante da dependência absoluta do outro. Em tempos de catástrofe, esse desamparo retorna com força: a sensação de não haver a quem recorrer, de estar à mercê de algo maior e incontrolável.

Guerras e pandemias, especialmente, geram um estado psíquico de suspensão: o tempo é alterado, o corpo é ameaçado, os afetos se embaralham. Freud já havia observado, após a Primeira Guerra Mundial, a repetição compulsiva de sonhos traumáticos nos soldados, sugerindo que há experiências que não são imediatamente assimiláveis pelo psiquismo — e que retornam, muitas vezes, em formas sintomáticas, deslocadas, no corpo ou nos vínculos.

Além disso, essas crises coletivas expõem a fragilidade do laço social. O outro, que antes era apoio, pode tornar-se ameaça — vetor de contágio, inimigo político, rival na sobrevivência. O sujeito, nesse cenário, vê-se dividido entre pulsões de vida e de morte, entre o desejo de cuidar e o impulso de destruir, entre a empatia e a indiferença.

No entanto, é também nesses momentos que o trabalho psíquico pode operar — quando há escuta. Elaborar o trauma não significa apagá-lo, mas poder dar-lhe lugar, nomear o que foi vivido, por mais fragmentado ou doloroso que seja. A psicanálise não oferece consolo fácil, mas oferece espaço: para o luto, para a palavra, para a subjetivação do horror.

Em tempos de colapso, sustentar a escuta é sustentar a humanidade. Porque quando o simbólico vacila, é na fala — ainda que falha — que o sujeito pode reencontrar um contorno possível para continuar existindo.

 

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