Na era digital, as redes sociais tornaram-se espelhos modernos onde o sujeito busca incessantemente reconhecimento, curtidas e validação. Do ponto de vista psicanalítico, esse fenômeno não é meramente tecnológico, mas profundamente subjetivo: toca o cerne do narcisismo e da constituição do eu.
Freud descreveu o narcisismo como uma etapa fundamental do desenvolvimento psíquico — um investimento libidinal que o sujeito faz em si mesmo. Nas redes, vemos uma intensificação desse narcisismo primário: o eu busca reafirmar sua imagem ideal, cultivando um "eu-perfil" que precisa ser visto, amado e desejado. Trata-se de uma tentativa de suturar a falta, negando a castração simbólica que funda o sujeito do inconsciente.
O eu que se constrói nas redes é muitas vezes um eu idealizado, que se distancia do sujeito real — com suas faltas, suas angústias e seus limites. Há aí um risco: a constituição de um eu frágil, dependente do olhar do outro para se sustentar. Lacan já nos alertava sobre o papel do estádio do espelho, onde o eu se constitui a partir de uma imagem especular e da alienação no olhar do outro. As redes funcionam como esse espelho contínuo, mas fragmentado, onde o sujeito se perde tentando se encontrar.
Por trás das selfies, das frases de efeito e dos filtros, há frequentemente uma angústia silenciosa: "Quem sou eu quando não sou visto?" A rede social promete presença, mas pode produzir vazio. O sujeito passa a existir apenas enquanto é postado, curtido e compartilhado. O eu, nesse processo, corre o risco de não se construir com base no desejo, mas na demanda do outro.
A psicanálise nos convida, portanto, a pensar para além da imagem: a escutar o sujeito por trás da tela, a reconhecer que o verdadeiro encontro com o eu passa pela aceitação da falta, da imperfeição e do desejo que nos habita. É só assim que podemos sustentar uma subjetividade mais sólida em tempos de exposição permanente.
Associados I.C.P.B.