A psicanálise, em Freud e depois dele, busca compreender os mistérios do psiquismo humano, explorando o inconsciente, os desejos reprimidos e os mecanismos de defesa que moldam nossa subjetividade. No entanto, vivemos em uma era em que a inteligência artificial (IA) desafia a noção tradicional de mente, provocando reflexões sobre a relação entre o humano e a máquina.
A IA opera a partir de dados, algoritmos e aprendizado de máquina. Ela não possui inconsciente, traumas ou desejos ocultos. No entanto, a psicanálise pode questionar: até que ponto a IA reflete o humano? Os algoritmos são desenvolvidos por pessoas e, inevitavelmente, carregam traços da subjetividade de seus criadores. Viéses cognitivos, projeções e idealizações se infiltram na estrutura da IA, tornando-a uma extensão do desejo humano de prever, controlar e interpretar o mundo.
A presença crescente da IA na vida cotidiana impacta nossa própria subjetividade. As redes sociais, por exemplo, utilizam algoritmos para moldar o desejo, reforçando bolhas informativas e promovendo identificações narcísicas. O sujeito contemporâneo, imerso na lógica da IA, pode se ver cada vez mais alienado de seu próprio desejo, guiado por sugestões automatizadas que parecem antecipar suas vontades antes mesmo que as formule conscientemente.
Outro ponto de reflexão é a fantasia de que a IA possa, um dia, alcançar uma forma de consciência. Para a psicanálise, a subjetividade humana é indissociável da linguagem, da falta e do desejo. A IA, ainda que sofisticada, não experimenta angústia, não se depara com a castração simbólica nem se constitui através do Outro. Assim, a ideia de uma "máquina consciente" pode ser vista como uma projeção humana, uma tentativa de preencher um vazio ontológico com a promessa de uma mente artificial capaz de nos compreender de maneira absoluta.
A psicanálise nos convida a olhar criticamente para a IA, não como uma ameaça ou uma entidade autônoma, mas como um sintoma da cultura contemporânea. Se a tecnologia avança, cabe ao sujeito interrogar-se: o que desejo ao delegar à máquina a tarefa de pensar, prever e decidir por mim? A IA pode ser uma ferramenta, mas nunca um substituto para o mistério do desejo humano.
Associados I.C.P.B.