Análise Psicanalítica das Raízes da Violência

A violência, desde os primeiros estudos psicanalíticos, é vista como um fenômeno que emerge de pulsões e conflitos intrapsíquicos, estruturando-se no indivíduo a partir de processos inconscientes. Sigmund Freud,, foi um dos primeiros a abordar as raízes da agressividade humana, e suas teorias sobre as pulsões de vida e de morte lançaram luz sobre o paradoxo do desejo humano por criação e destruição. Para a psicanálise, a violência está enraizada no conflito entre o desejo individual e as exigências da sociedade, além das complexas forças que operam na mente humana.

Freud introduziu o conceito de *pulsão de morte* (ou thanatos) em contraste com a pulsão de vida (eros). Enquanto eros representa o desejo de conexão, união e preservação, thanatos representa uma força de destruição e retorno ao estado inorgânico. De acordo com Freud, a pulsão de morte é uma tendência autodestrutiva que, muitas vezes, é dirigida contra o outro. Assim, a agressividade e a violência seriam uma forma de externalizar essa pulsão, permitindo que o sujeito alivie a tensão interna, descarregando sua energia destrutiva de maneira projetada no ambiente externo. Isso explica, em parte, por que a violência pode surgir como uma forma de defesa, como uma tentativa inconsciente de lidar com uma angústia insuportável.

A violência, sob o olhar psicanalítico, pode ser também uma manifestação de conflitos não elaborados que se originam na infância e que carregam uma carga emocional reprimida. *Jacques Lacan* trouxe sua contribuição a essa compreensão ao descrever o conceito de *alienação e a relação com o "Outro"*. Para Lacan, o sujeito é formado na relação com o Outro (os pais, a sociedade, a cultura), e o desejo é sempre mediado pelo desejo do Outro. No entanto, essa relação é marcada pela falta e pelo desejo, pois o sujeito nunca é capaz de preencher completamente a expectativa do Outro ou de realizar plenamente seu próprio desejo. Em muitos casos, essa frustração pode gerar agressividade e impulsos violentos, uma vez que o sujeito busca, de forma inconsciente, destruir aquilo que impede sua realização plena. A violência, então, pode ser vista como uma reação ao vazio e à angústia da alienação — uma tentativa de negar ou desafiar a falta estrutural que marca a existência humana.

A *identificação e a rivalidade* são outros fatores que contribuem para o comportamento violento, especialmente no contexto de relações sociais e familiares. Desde cedo, a criança desenvolve identificação com as figuras parentais, mas esse processo nem sempre é pacífico. *A relação com o pai ou com figuras de autoridade*, por exemplo, pode gerar sentimentos ambivalentes de amor e ódio. Freud explorou esses conflitos no conceito de complexo de Édipo, onde o desejo pela figura materna e a rivalidade com o pai criam uma dinâmica que envolve tanto amor quanto agressividade. Quando o desejo de se assemelhar a uma figura de autoridade se mistura com a impossibilidade de superar essa figura, a agressividade pode ser gerada como uma forma de resolução para essa tensão.

Em contextos de *violência coletiva, como guerras e conflitos sociais, Freud descreveu o fenômeno da “psicologia das massas” em sua obra *"Psicologia das Massas e Análise do Eu"** (1921). Ele explica que o indivíduo, ao integrar-se a um grupo, tende a diluir sua identidade pessoal e ceder ao inconsciente coletivo. A violência em grupo pode oferecer uma sensação de pertencimento e de segurança psíquica, pois permite ao sujeito expressar sua agressividade de forma legitimada. Ao se unir a um grupo, o indivíduo se desresponsabiliza e transfere seu desejo de destruição para uma causa coletiva, sentindo-se autorizado a agir de maneira violenta sem carregar a culpa individual.

A violência também pode estar ligada à *fragilidade do ego* e à dificuldade em lidar com frustrações e fracas barreiras do superego. Indivíduos que não desenvolveram mecanismos de defesa adequados para lidar com a frustração tendem a responder a situações desafiadoras com agressividade. Além disso, quando o *superego* é pouco estruturado — isto é, quando não há uma forte internalização de normas sociais e limites —, o indivíduo pode sentir-se menos inibido para agir violentamente. Nesse sentido, a violência surge como uma expressão direta e crua dos impulsos do id, sem a modulação e a censura do superego.

Outro fator psicanalítico importante no estudo da violência é o conceito de *mecanismos de defesa. Freud e posteriormente Anna Freud identificaram diversos mecanismos de defesa que o ego utiliza para lidar com conflitos psíquicos. A violência pode ser entendida como uma forma de **projeção, onde o sujeito direciona para o outro os aspectos indesejados de si mesmo, como sentimentos de ódio, inferioridade ou inadequação. Ao projetar esses sentimentos no outro, o indivíduo sente-se autorizado a atacar essa "ameaça" externa, que, na verdade, representa aspectos internos que ele não consegue suportar. Outro mecanismo de defesa relacionado à violência é a **deslocamento*, onde a raiva ou agressividade gerada em um contexto específico é redirecionada para um alvo mais acessível, como uma pessoa ou situação que representa menos risco de retaliação.

A violência também pode ser interpretada como uma resposta ao sentimento de *impotência e exclusão*, especialmente em contextos sociais desiguais e opressivos. A psicanálise reconhece que o ambiente social e as experiências de exclusão e marginalização podem intensificar a agressividade ao ativar sentimentos de humilhação e frustração. Quando o sujeito se sente impotente para mudar sua situação, a violência pode surgir como uma última tentativa de reafirmação de poder e de reivindicação de dignidade. Esse é um fenômeno frequentemente observado em contextos de exclusão social, onde a violência se torna uma resposta ao sentimento de desvalorização e de inexistência de alternativas viáveis para expressar o desejo e a dignidade.

A psicanálise observa que a *violência também pode ter uma função de comunicação* — ela é um ato que, de forma inconsciente, busca transmitir uma mensagem ou expressão que o sujeito não consegue articular por meios simbólicos. A violência, nesse caso, pode ser entendida como uma linguagem primitiva, uma tentativa desesperada de ser ouvido ou reconhecido. Em certos casos, ela é uma forma de chamar a atenção para a dor ou para a frustração que não foi adequadamente processada ou compreendida.

A análise psicanalítica da violência revela que ela não é meramente um ato irracional ou impulsivo, mas o resultado de uma complexa rede de forças inconscientes que atuam no psiquismo humano. Desde as pulsões destrutivas até os conflitos com figuras de autoridade e a alienação social, a violência emerge como uma resposta a tensões internas que encontram sua expressão no ataque ao outro. Entender a violência a partir dessa perspectiva nos convida a refletir sobre a necessidade de estratégias que ajudem o indivíduo a reconhecer e lidar com seus conflitos psíquicos de maneira simbólica, antes que eles se traduzam em atos de destruição. A psicanálise, ao lançar luz sobre as raízes profundas da violência, oferece uma via para compreender e, eventualmente, transformar essas forças em busca de uma convivência mais harmônica e consciente.

 

Associados I.C.P.B.

     

Política de privacidade

Termos de uso ICPB

www.icpb.com.br

Todos os direitos reservados 2023-2024