Diferenças entre a Psicanálise Infantil e a de Adultos: Uma Perspectiva Psicanalítica

A psicanálise, tanto para adultos quanto para crianças, tem como objetivo central a exploração e a compreensão do inconsciente. No entanto, as dinâmicas, técnicas e abordagens terapêuticas utilizadas em cada caso diferem consideravelmente, devido às particularidades do desenvolvimento psíquico infantil e da capacidade de comunicação e reflexão dos adultos. Ao comparar a psicanálise infantil e a de adultos, é possível identificar diferenças fundamentais em como os conflitos inconscientes se manifestam, como são acessados e como são trabalhados no ambiente terapêutico.

Uma das principais diferenças entre a psicanálise infantil e a de adultos reside na forma de comunicação de expressão para alem da palavra e na expressão dos conflitos internos. Enquanto os adultos têm uma capacidade verbal e nao verbal desenvolvida e podem articular seus pensamentos, emoções e memórias, as crianças, especialmente as mais novas, nem sempre conseguem traduzir em palavras o que estão sentindo. Por isso, a psicanálise infantil se apoia fortemente em métodos alternativos de comunicação, como o brincar. Através do jogo, da fantasia e do uso de objetos, a criança revela seus desejos, medos e conflitos de maneira simbólica, permitindo que o psicanalista tenha acesso a esses conteúdos inconscientes.

O brincar, conforme desenvolvido por psicanalistas como Melanie Klein e Donald Winnicott, funciona como a “linguagem” da criança. Ao observar como uma criança interage com brinquedos, o psicanalista pode interpretar significados ocultos. Por exemplo, uma criança que constantemente brinca de maneira agressiva com bonecos pode estar expressando sentimentos de raiva ou conflitos internos em relação a figuras parentais. Para os adultos, por outro lado, o processo analítico frequentemente envolve a fala como principal ferramenta de exploração do inconsciente, seja através da livre associação, dos relatos de sonhos ou da análise de memórias e experiências de vida.

Outra diferença importante está no papel das figuras parentais na análise. Na psicanálise infantil, a relação da criança com os pais ou cuidadores desempenha um papel crucial, uma vez que muitos dos conflitos psíquicos da criança estão diretamente relacionados a essas figuras. A criança internaliza aspectos dos pais em suas fantasias e percepções, e isso se reflete no processo terapêutico. Além disso, os pais geralmente participam indiretamente do tratamento, recebendo orientações do terapeuta sobre como lidar com o comportamento e as emoções da criança fora da sessão. Na análise de adultos, embora a relação com os pais continue sendo um tema central, a abordagem tende a ser mais voltada para a elaboração de questões inconscientes que já foram internalizadas, com menos envolvimento direto de outras pessoas no processo terapêutico.

A questão do desenvolvimento psíquico também marca uma diferença significativa. Na psicanálise infantil, o psicanalista está lidando com uma mente em formação, onde os processos psíquicos ainda estão se organizando e amadurecendo. A criança está passando por fases cruciais do desenvolvimento, como o desmame, a fase de controle esfincteriano e o Complexo de Édipo, o que significa que muitos dos conflitos que ela vivencia são normais e fazem parte do seu crescimento emocional. O psicanalista infantil, portanto, atua não apenas para resolver sintomas e conflitos, mas também para facilitar o desenvolvimento saudável da psique. Na análise de adultos, o foco é, em grande parte, na reinterpretação de experiências passadas e na resolução de conflitos já cristalizados ao longo do tempo. O adulto traz para a análise questões de um ego mais estruturado, embora ainda atravessado por defesas e fantasias inconscientes.

A transferência e a contratransferência são fenômenos que ocorrem tanto na psicanálise infantil quanto na de adultos, mas se manifestam de maneiras diferentes. Na análise de adultos, a transferência pode ser uma recriação inconsciente de relações anteriores, onde o paciente projeta no analista sentimentos e expectativas relacionados a figuras importantes do seu passado, como os pais. Esse fenômeno também acontece na psicanálise infantil, mas a criança muitas vezes transfere diretamente suas emoções em relação aos pais para o analista, visto que o vínculo com os cuidadores ainda está muito presente e em desenvolvimento. A transferência na infância pode ser mais imediata e menos elaborada, expressando-se através de ações e comportamentos no contexto do brincar, enquanto nos adultos a transferência geralmente ocorre através da fala e de padrões de relacionamento.

Outro aspecto marcante na análise infantil é a questão do tempo e da paciência. Como o desenvolvimento emocional da criança está em processo, o trabalho terapêutico pode demorar mais tempo para mostrar resultados visíveis. A criança está constantemente absorvendo e processando novas experiências, e seu entendimento do mundo, de si mesma e de suas emoções ainda está se formando. Por isso, o psicanalista infantil precisa ter uma abordagem paciente, respeitando o ritmo da criança e a natureza de seu desenvolvimento. Com os adultos, a análise também pode ser um processo longo, mas a elaboração dos conteúdos inconscientes e a reflexão sobre as próprias emoções tendem a ocorrer de forma mais consciente e deliberada, embora não menos complexa.

A técnica de interpretação também varia entre os dois contextos. Com adultos, o psicanalista frequentemente interpreta diretamente os sonhos, lapsos e padrões de comportamento, ajudando o paciente a tomar consciência de seus desejos inconscientes e de seus mecanismos de defesa. Na análise infantil, a interpretação é mais indireta. O terapeuta pode sugerir significados para as ações da criança durante o brincar, mas a ênfase é em criar um ambiente seguro e permissivo onde a criança possa expressar seus sentimentos livremente, sem forçar uma compreensão imediata de seus conteúdos inconscientes. O trabalho é mais sutil, respeitando o estágio de desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.

A psicanálise infantil e a de adultos compartilham a mesma base teórica no que diz respeito à exploração do inconsciente, mas suas abordagens e técnicas são adaptadas às necessidades e capacidades de cada fase da vida. Enquanto os adultos trazem para a análise um ego mais desenvolvido e uma maior capacidade de reflexão, as crianças expressam seus conflitos principalmente através de ações simbólicas e brincadeiras. O papel dos pais, o uso da linguagem, o tempo de tratamento e a maneira como a transferência é trabalhada são todos elementos que distinguem essas duas formas de psicanálise, mas ambas têm como objetivo comum a promoção de um entendimento mais profundo dos processos internos e a resolução de conflitos inconscientes.

 

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